Clara Valêncio faz perguntas muito difíceis
Opinião de Beatriz Maineti
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Depois do jogo contra o Juventude, no dia 17 de maio, o confuso algorítimo do X (antigo do Twitter) colocou a publicação da minha querida amiga Clara Valêncio no topo da página. Na postagem, Clarinha questionou: “como saber se um ciclo se encerrou? E, se sim, como encerrá-lo da maneira menos dolorosa possível?”.
Esse post pode ser interpretado de várias maneiras. Tem quem leve para o coração, quem indique uma situação de trabalho, mas a verdade é que ela falava sobre um dos maiores nomes da história do Sport Club Corinthians Paulista: Cássio Ramos. Naquele jogo, o goleiro com mais de 12 anos de história falhou nos dois gols tomados - contando com um passe bizarro no segundo.
Desde então, não tem um dia em que eu não pense nisso.
O que, especificamente, determina o fim de um ciclo? Os desafios são suficientes para colocar um ponto final definitivo naquele que ficará para sempre marcado como um dos capítulos mais lindos da história desse clube gigante? Aliás, como se finaliza um gigante?! Como dizer para aquele que mais carregou taças que é hora de virar a página?
Eu pensei nisso em todos os jogos desde então. Senti arrepios quando ele encostava com os pés na bola, me senti esperançosa com as defesas e tentei me convencer de que ainda tem muita lenha nessa fogueira para que o fogo simplesmente se apagasse. A cada gol, me perguntei se houve falha, se era perdoável ou apenas mais um indicativo de que a hora tinha chegado.
Afinal de contas, o desafio aqui não é fácil. O que, em si, determina o fim de um ciclo? É o senso comum? O apelo etário, físico e comportamental? Se for comportamental, a liderança dele não anula o resto? Qual é o checklist que determina o “adeus” tão temido?
Desde que o Cássio surgiu para o Corinthians, lá naquele 2012 que já parece tão distante, eu, particularmente, temi muito esse dia. Sempre me apavorava pensando no momento em que fôssemos considerar que a saída dele do time titular seria melhor para a equipe do que sua permanência. Por isso eu torci para que ele contrariasse a história recente do futebol brasileiro.
Na época em que Cássio protagonizava aquela campanha incrível da Libertadores, Marcos e Rogério Ceni, goleiros dos rivais corinthianos, encaravam o fim de suas carreiras embaixo das traves. Ambos já viviam os imbróglios do adeus e se recusavam a aceitar que a hora tinha chegado.
Eles brigaram contra o tempo, se arrastaram pelos gramados do Brasil até o último segundo possível, ficaram marcados por falhas preocupantes e viram o passado se sobressair ao presente para manter o carinho da torcida.
Marcos encerrou a carreira aos 38 anos depois de um ano instável no dia quatro de janeiro de 2012, ano do rebaixamento do seu clube. Rogério quis tentar mais, foi campeão da Sul-Americana com o São Paulo em 2012 e só foi parar no fim de 2015, então com 42 anos. Enquanto isso, Cássio se consagrava ídolo no auge, e eu já sofria pensando no que viria a ser a sua despedida.
Eu tinha muito medo que, assim como seus antecessores, ele não conseguisse encontrar o momento certo de sair do holofote e abrir caminho para quem mais pudesse surgir. Torcia para que ele ficasse e ajudasse o clube a preencher o vazio que ele deixaria.
De certa forma, isso aconteceu. Quando o Corinthians contratou o jovem e promissor Carlos Miguel, Cássio se tornou um conselheiro para o garoto e ele começou, então, a se preparar para assumir a vaga que um dia seria deixada pelo camisa 12. Não assumir seu lugar, que significa ocupar um espaço de idolatria, mas sim sua vaga, embaixo do gol.
“Ou você morre herói, ou vive tempo o suficiente para se transformar em um vilão”. Essa fala de Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge fala muito mais do que diz. Será que nós, torcedores, viveremos para ver Cássio se tornar um vilão?
Talvez eu não tenha resposta para a maior parte das perguntas que eu mesma faço, mas essa eu consigo responder: ver o Cássio como um vilão é humanamente impossível para o corinthiano. Não porque ele voltará milagrosamente a ser o que um dia foi, mas porque o presente não apaga o passado, e o torcedor sabe disso.
No último domingo, Cássio assistiu a um jogo do Corinthians pelo banco de reservas pela primeira vez em sabe-se lá quanto tempo. Quietinho, sentado, comemorou os gols, sofreu com as entradas mais violentas, protestou contra ações da arbitragem e viveu a partida sem estar nela, propriamente dito. Porém, após o apito final, ouviu a torcida gritar seu nome e entoar aquilo que o corinthiano sabe muito bem: é o melhor goleiro do Brasil!
O passado de Cássio é irretocável, cabe agora entender qual será o seu futuro. Hoje, abalado pela fase ruim - própria e do time -, precisa de um tempo para respirar. Mas ele tem que fazer isso em sua casa, que sempre foi o Corinthians. Um momento ruim, alguns jogos de banco, não mudarão o que ele será eternamente.
Ainda assim, porém, como saber se a hora já chegou?
O questionamento da Clarinha não me sai da cabeça. Mas eu não consigo pensar numa resposta. Por enquanto, porém, resta apenas lembrar: em qualquer estádio do Brasil, onde houver um único corinthiano que seja, haverá amor e respeito a ele que é, para muitos, o maior da história do Corinthians.
Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do Meu Timão.